Seres Vivos: Conteúdos Científicos que Dizem da Formação de Professores e do Cotidiano Escolar no Ensino Fundamental

Valdecí dos Santos
Universidade do Estado da Bahia
Campus II / Departamento de Educação – Alagoinhas


Este trabalho é parte da Pesquisa A Classificação dos Seres Vivos na Concepção de Professores do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) do Município de Alagoinhas-BA , e visa apresentar dados relativos à relação classificação dos seres vivos/doenças e os referenciais bibliográficos sobre o conteúdo seres vivos utilizados pelas entrevistadas em suas práticas pedagógicas.

Introdução

Tecendo um novo olhar sobre a Formação de Professores, considero fundamental que, a concepção curricular deva propiciar condições de inter-relações onde, a investigação do cotidiano escolar seja para o professor, um movimento de apreender o específico e os singulares liames do conhecimento com a totalidade e as contradições emergidas nas inter-relações culturais circulantes no contexto escolar.

Atenta à importância da singularidade dos seres vivos para a articulação entre ensino de Ciências e o cotidiano dos indivíduos, busco investigar como esse conteúdo circula no cotidiano escolar.

A classificação dos seres vivos nos reinos animal e vegetal foi iniciada pelo filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) e seu discípulo Teofrasto. Sendo implantada definitivamente, em 1758, pelo sueco Karl von Linné na décima edição de seu livro Systema Naturae .

Todavia, em 1969, R. H. Whittaker sugeriu a criação de um sistema com cinco reinos: Monera (formado por organismos unicelulares procariontes, incluindo bactérias e algas azuis, que na antiga classificação, eram considerados vegetais); Protista (composto por seres que possuem uma estrutura unicelular eucariótica, estão representados pelos protozoários do antigo reino animal e por certas algas unicelulares do antigo reino vegetal); Plantae (é constituído pelos organismos pluricelulares autotróficos e inclui as plantas terrestres e algas pluricelulares); Animalia (compreende os pluricelulares, eucarióticos, heterotróficos) e Fungi (inclui os seres vivos eucariontes unicelulares ou pluricelulares e heterotróficos por absorção).

No cotidiano da sala de aula é comum o professor encontrar alunos com dentição incompleta, geralmente pela ação da cárie, pele manchada de branco, inflamação no globo ocular, frieiras, tuberculose, pneumonia, calazar, cólera, diarréias, meningite, processos supurativos, dentre outros sinais e sintomas. Quadro panorâmico que reflete a importância do conteúdo seres vivos para os indivíduos. Visto que, os agentes etiológicos das doenças citadas são seres vivos que não se enquadram nos reinos animal e vegetal.

Considerando a significância do conteúdo seres vivos no ensino de Ciências, especialmente, a importância da articulação entre conhecimento científico e questões cotidianas, tenho como objeto de investigação: os conteúdos científicos no cotidiano escolar . Sendo recorte mais preciso desse objeto de estudo: o conhecimento de professores do ensino fundamental (1ª a 4ª séries) sobre seres vivos .

Neste trabalho, apresento dados relativos à relação classificação dos seres vivos/doenças e os referenciais bibliográficos sobre o conteúdo seres vivos utilizados pelas entrevistadas em suas práticas pedagógicas.

Metodologia

A metodologia pauta-se na abordagem qualitativa de pesquisa, via estudo de caso. (André, 1984, 1995; Chizzotti, 1998; Ludke & André, 1986; Tuckman, 2000).

A população alvo do estudo de caso é constituída por 32 Professoras do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) de escolas públicas do município de Alagoinhas-BA.

Na primeira etapa do estudo, utilizei como técnica, conversas informais e posteriormente, aplicação de questionários abertos sobre conhecimentos específicos sobre o conteúdo seres vivos. Esses conhecimentos específicos foram estruturados em três níveis de compreensão: 1. visão do geral das entrevistadas sobre o conteúdo seres vivos; 2. leitura do cotidiano escolar; e 3. a relação classificação dos seres vivos/doença.

A partir da análise preliminar dos questionários, utilizei como técnica, a entrevista não-estruturada, buscando coletar dados sobre as experiências, das entrevistadas, contextualizadas na sala de aula sobre o conteúdo seres vivos. As entrevistas foram coletivas, sendo realizadas nas escolas de origem das entrevistadas. (Cruz Neto, 1994).

Na segunda etapa do estudo, utilizei como técnica análise documental. Sendo foco de análise, livros didáticos de ciências da 1 a a 4 a séries do ensino fundamental utilizados pelas entrevistadas como fonte bibliográfica. Foram analisados cinco títulos e dezessete exemplares.

Resultados

Na análise dos dados referentes às questões sobre a relação classificação dos seres vivos/doenças, 96,9% das entrevistadas demonstram conhecer apenas dois reinos de seres vivos _ animal e vegetal, e 3,1% evidenciou conhecer cinco reinos de seres vivos _ Plantae, Fungi, Monera, Protista e Animália.

Do total das doenças apresentadas às entrevistadas, os agentes etiológicos de quatorze delas pertencem ao reino Monera, seis pertencem ao reino Protista e uma pertence ao reino Fungi. REINO MONERA _ Doença/Agente Etiológico: Abscesos (Staphylococcus sp, Streptococcus sp) , Botulismo (Clostridium botulinum) , Cólera (Vibrio cholerae) , Desinteria (Enterobacteriaceae), Difteria (Corynebacterium diphtheriae) , Febre Tifóide (Salmonella typha) , Gastroenterite ( Dentre outros, Escherichia coli, Proteus vulgaris, Enterobacter, Klebsiella) , Hanseníase (Mycobacterium leprae) , Meningite (Neisseria meningitidis) , Pneumonia (Streptococcus pneumoniae) , Sífilis (Treponema pallidum) , Tétano (Clostridium tetani) , Tracoma (Chlamydia trachomatis) , Tuberculose (Mycobacterium tuberculosis hominis). REINO FUNGI _ Doença/Agente Etiológico: pano-branco/micose (Dentre outros, Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton ). REINO PROTISTA _ Doença/Agente Etiológico: Amebíase ( Entamoeba histolytica), Calazar ( Leishmania donovani), Doença de Chagas ( Trypanosoma cruzi), Giardíase ( Giardia lamblia), Malária ( Plasmodium malariae, Plasmodium falciparum), Tricomoníase (Trichomonas vaginalis) .

No tocante aos referenciais bibliográficos sobre o conteúdo seres vivos utilizados pelas entrevistadas em suas práticas pedagógicas, 87,5% das professoras utilizam o livro didático de ciências da 1 a a 4 a séries como único referencial bibliográfico sobre o conteúdo em questão para planejarem suas aulas. Sendo a bibliografia constituída pelos autores Barros (1995), Gowdak & Staifel (1992), Passos & Silva (s.d), Souza (1992), Trigo (1994).

A análise do conteúdo seres vivos nesses livros didáticos de ciências da 1 a a 4 a séries do ensino fundamental, configurou-se na constituição de um quadro comparativo (Quadro I) entre os autores, sendo considerando os conteúdos tipológicos de ciclo vital, representantes, reinos, doença, origem dos micróbios, tipo de abordagem dada ao conteúdo.

Conclusão

No tocante aos conteúdos científicos difundidos no contexto escolar, é notório que possuem características próprias que evidenciam a controversa dos mesmos, visto que, por serem altamente valorizados socialmente, entendidos como sistematizados e pré-definidos, os mesmos enceram em si a dicotomia entre a conhecimento científico e os sistemas de crenças dos atores sociais que circulam no espaço escolar.

Nesse contexto emerge questões sinalizadoras do cotidiano escolar, tais como: formação de professor e conteúdos científicos.

A análise da relação classificação dos seres vivos/doenças e os referenciais bibliográficos sobre o conteúdo seres vivos utilizados pelas entrevistadas em suas práticas pedagógicas, evidencia que: a circulação dos conteúdos científicos sobre seres vivos no cotidiano escolar do ensino fundamental (1ª a 4ª séries) tem como principal bibliografia, livros didáticos de ciências da 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. Fato que sinaliza a complexidade que demarca o contexto escolar, sinalizando questões relacionadas à formação de professores, abordagem dos conteúdos nos cursos de Formação de Professores e limites teóricos sobre os conteúdos científicos.

Referências Bibliográficas

ANDRÉ, Marli E. D. A. de. Etnografia da prática escolar. 4. ed. Campinas: Papirus, 1995. 128 p.

______. Estudo de caso: seu potencial na educação. In: Cadernos de pesquisa , São Paulo, n. 49, p. 51-54, maio 1984.

BARROS, Carlos. Ciências 1 . 3 ed. São Paulo: Ática, 1995. (Coleção Quero Aprender).

______. Ciências 2 . 3 ed. São Paulo: Ática, 1995. (Coleção Quero Aprender).

______. Ciências 3 . 2 ed. São Paulo: Ática, 1995. (Coleção Quero Aprender).

______. Ciências 4 . 2 ed. São Paulo: Ática, 1995. (Coleção Quero Aprender).

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. 164 p. (Biblioteca da educação. Série 1. Escola; v.16).

CRUZ-NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, Maria C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 51-66.

GOWDAK, Demétrio, STAIFEL, Ronald. Pelos caminhos das ciências e saúde 2 . São Paulo: FTD, 1989.

______; ______. Pelos caminhos das ciências e saúde 4 . São Paulo: FTD, 1992.

LUDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 99 p.

PASSOS, C., SILVA, Zeneide. Eu gosto de ciências: programas de saúde, 1 a série. São Paulo: Nacional, s.d.

______; ______. Eu gosto de ciências: programas de saúde, 2 a série. São Paulo: Nacional, s.d.

______; ______. Eu gosto de ciências: programas de saúde, 3 a série. São Paulo: Nacional, s.d.

______; ______. Eu gosto de ciências: programas de saúde, 4 a série. São Paulo: Nacional, s.d.

SOUZA, Joanita. Assim eu aprendo ciências, 1 a série. Salvador: Ed. do Brasil na Bahia, 1992.

______. Assim eu aprendo ciências, 2 a série. Salvador: Ed. do Brasil na Bahia, 1992.

______. Assim eu aprendo ciências, 3 a série. Salvador: Ed. do Brasil na Bahia, 1992.

______. Assim eu aprendo ciências, 4 a série. Salvador: Ed. do Brasil na Bahia, 1992.

TRIGO, Elisabete C. Ciências 1 . 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. (Coleção Viver e Aprender).

______. Ciências 3. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. (Coleção Viver e Aprender).

______. Ciências 4. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1994. (Coleção Viver e Aprender).

TUCKMAN, Bruce W. Manual de investigação em educação: como conceber e realizar o processo de investigação em educação. Lisboa: Serviço de Educação/Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. p. 507-535.


Quadro I - QUADRO COMPARATIVO DA ABORDAGEM DOS CONTEÚDOS SERES VIVOS E DOENÇAS POR AUTORES DE LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DA 1ª a 4ª SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL.


Autores Barros
(1995)
Gowdak
&
Staifel
(1989, 1992)
Passos
&
Silva
(s.d.)
Souza
(1992)
Trigo
(1994)
Conceitos Tipológicos
Ciclo Vital Nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem. Não caracterizam convencionalmente, mas demonstram experimentos que induzem o ciclo vital. Nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem. Nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem. Nascem, crescem, reproduzem, envelhecem e morrem.
Representantes Animal, vegetal, fungos, protozoários e bactérias. Animal, vegetal, fungos, protozoários, bactérias e vírus. Animal e vegetal. Animal, vegetal e bactérias. Animal, vegetal, bactérias e vírus.
Reinos Vegetal, animal e “seres mais simples”. Vegetal, animal e fungos. Vegetal e animal. Vegetal e animal. Vegetal e animal.
Doença Ação de micróbios. Ação de micróbios. Ação de vírus, bactérias, vermes e fungos (microorganismos). Falta de saúde, ação de micróbios. Ação de micróbios (seres vivos), “alterações no organismo”.
Origem dos Micróbios Vegetal e animal. Vírus, protozoários, bactérias, fungos e animal. Vírus, protozoários, bactérias e animal. Animal e vegetal “bichinhos”. Animal (verme), micróbios (vírus, bactérias).
Abordagem Conceitos científicos, porém sem aprofundamento. Rigor científico marcante: maior quantidade de termos. Relato de estudos de Redi (reprodução): método científico (hipóteses/observações). Conceitos científicos, porém sem aprofundamento. Linguagem: senso comum sem rigor científico. Conceitos científicos, porém sem aprofundamento.