Estudo da Biologia de Latrodectus curacaviensis em Cativeiro


Valdecí dos Santos
Universidade do Estado da Bahia
Campus II – Alagoinhas

Introdução

O gênero Latrodectus Walckenear, 1805 (Araneae: Theridiidae) se caracteriza por apresentar colulus, quelíceras sem dentes, unhas tarsais pectinadas e órgão estridulatório, olhos laterais anteriores e posteriores bem separados entre si. Ocorrem nos cinco continentes (BUCHERL, 1965, 1968; CARVALHO, 1959; DE BIASE, 1970; GONZÁLEZ, 1976, 1977, 1979; MACHADO, 1948, SAMPAIO, 1942; SCHENONE, 1985).

As espécies do gênero Latrodectus , como todas as aranhas, são carnívoras e alimentam-se basicamente de insetos. As teias são usadas para aprisionar suas presas.

A espécie Latrodectus curacaviensis (Muller, 1776) apresenta abdome convexo, globoso, vermelho com manchas negras, as patas, palpos, esterno, peças bucais e cefalotórax são negros. Os olhos, pouco desiguais em tamanho, são heterogêneos e estão dispostos em fileiras transversais de quatro cada uma.

O veneno de Latrodectus curacaviensis é uma neurotoxina de ação difusa sobre o sistema nervoso central, medula, nervos e músculos lisos. A picada determina no homem, dores violentas, hiperestesias e parestesias (BUCHERL, 1969; FOELIX, 1982; LEVI, 1958; LUCAS, 1958).

Com objetivo de estudar aspectos biológicos (desenvolvimento e comportamento) da espécie Latrodectus curacaviensis em cativeiro, realizamos a partir de maio/1990, coletas e manutenção da espécie em laboratório, trabalhando preliminarmente com alguns aspectos dos objetivos específicos:

Verificação do desenvolvimento: aspectos reprodutivos (numero de ootecas construídas por fêmeas, fertilidade das ootecas e numero de indivíduos nascidos por ooteca); mortalidade (taxa de mortalidade das fêmeas trazidas do campo); e diferenciação sexual;
Verificação dos aspectos do comportamento alimentar;
Fornecimento de referencial teórico sobre a manutenção de Latrodectus curacaviensis em cativeiro.

Material e Método

Exemplares de fêmeas adultas e ootecas de Latrodectus curacaviensis (Muller, 1776) foram coletados em duas areas do Estado da Bahia (Capim Grosso e Salvador) nos meses de maio, junho, julho e agosto de 1990. Levados ao Laboratório de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual de Feira de Santana, foram acondicionados em terrários simples. Sendo as aranhas alimentadas com formigas saúva a cada oito dias com dois espécimes adultos, havendo-se experimentalmente utilizado larvas de Alphitobius sp , mantidos a uma temperatura que oscilou entre 25° e 29° C.

Para terrários (T) utilizou-se vasilhames de vidro de 8 cm de diâmetro e 17 cm de altura, contendo gravetos para auxiliar como suporte na construção da teia. Colocou-se chumaço de algodão embebido em água, alojando-o em vasilhame plástico, sendo trocados a cada oito dias, com objetivo de assegurar certo grau de umidade no interior do recipiente, a sua abertura foi vedada com tecido arejado (tipo filó).

Os exemplares e as ootecas ficaram assim acondicionados:

Resultados e Discussão

  1. Desenvolvimento
    1. Aspectos Reprodutivos
      1. Números de Ootecas Cosntruídas por Fêmeas - Das fêmeas coletadas, sete desovaram no laboratório (Tabela 1). As fêmeas realizaram suas oviposturas entre o segundo e octogésimo quinto dia de chegada ao laboratório (Tabela 2).
Terrário
Mês da Coleta
Número de
%
Maio
Junho
Julho
Agosto
Ootecas
26,7
11
X
04
6,66
12
X
04
13,3
13
X
01
6,66
14
X
02
13,3
21
X
01
6,66
24
X
02
13,3
25
X
01
6,66
Total
02
01
01
03
15
99,98

Tabela 1 – Número de ootecas construídas fêmeas de Latrodectus curacaviensis de acordo com mês da coleta.

Fonte: Laboratório de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual de Feira de Santana.

  1. Desenvolvimento
    1. Aspectos Reprodutivos
      1. Tempo Transcorrido entre uma ovipostura e outra - Em laboratório o tempo transcorrido entre uma ovipostura e outra oscilou entre 5 (cinco) e 71 (setenta e um) dias (Tabela 2).

Tabela 2 – Período (dias) após ingresso das fêmeas de Latrodectus curacaviensis em que ocorreram as desovas X fertilidade das ootecas.

Fonte: Laboratório de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual de Feira de Santana.

  1. Desenvolvimento
    1. Aspectos Reprodutivos
      1. Fertilidade das Ootecas - Das quinze ootecas obtidas no laboratório, nove (60%) não eclodiram após o período de 90 dias, sendo conservadas em álcool 75% + glicerina 8%. A fêmea do T.11 produziu quatro ootecas: uma, após quatorze dias do ingresso no laboratório, e três após oitenta e cinco dias, ocorrendo a eclosão apenas da primeira. A fêmea do T.24 desovou duas vezes, a primeira, dois dias após seu ingresso no laboratório e a segunda, cinqüenta e oito dias após, entretanto, somente a primeira eclodiu. A fêmea do T.12 desovou quatro vezes, obedecendo ao seguinte intervalo de tempo após o seu ingresso no laboratório: 06, 19, 25 e 30 dias, havendo eclosão apenas da primeira. A fêmea do T.14 produziu duas ootecas após vinte dias do ingresso, porem apenas uma eclodiu (a da primeira ovipostura). A femea do T.13 desovou somente uma vez, após seis dias do ingresso no laboratório, ocorrendo eclosão. A fêmea do T.25 desovou no septuagésimo dia do ingresso, porem sua ooteca não eclodiu. A fêmea do T.21 desovou no quadragésimo segundo dia do seu ingresso, uma ooteca, que estava fértil, chamamos a atenção para a presença do macho no terrário por um período se sessenta e seis dias.

        Das seis ootecas que eclodiram, 83,3% resultaram de ovisposturas ocorridas entre o segundo e vigésimo dias após o ingresso no laboratório, os 16,7% restantes estão representados pela fêmea do T.21 que realizou ovipostura no quadragésimo segundo dia do seu ingresso no laboratório (Tabela 2).

  2. Desenvolvimento
    1. Aspectos Reprodutivos
      1. Número de Indivíduos Nascidos por Ooteca - Do total de treze ootecas que eclodiram, sete (53,8%) foram procedentes do campo e seis (46,2%) oriundas de ovisposturas no laboratório, obtiveram-se 389 (trezentos e oitenta e nove) – (65%) indivíduos das primeiras e 207 (duzentos e sete) – (35%) indivíduos das ootecas do laboratório, perfazendo um total de 596 (quinhentos e noventa e seis) indivíduos.

        O numero de indivíduos por ooteca variou sensivelmente, havendo uma media de 45,8 indivíduos por ooteca.

        As ootecas oriundas do campo apresentam maior numero de ovos, em relação às do laboratório. Estima-se que as desovas tenham ocorrido no fim de março e inicio de abril, o que provavelmente está relacionado com as observações de González (1976).

        ... O numero de ovos de Latrodectus sp por ooteca varia de acordo com a época da desova. Ootecas coletadas entre janeiro e fevereiro (período de maior abundancia de desovas) têm maior quantidade de ovos por ooteca. As coletadas no fim de fevereiro e inicio de março apresentaram uma redução de cerca de 50% no numero de ovos por ooteca, oscilando entre 29 e 87. (p. 131).

  3. Desenvolvimento
    1. Mortalidade
      1. Taxa de Mortalidade das Fêmeas Trazidas do Campo - O tempo de vida em laboratório das fêmeas trazidas do campo oscilou entre quatro e cento e vinte e três dias.

        Analisando-se o tempo de vida em setores de trinta dias, constata-se o percentual de óbitos ocorridos em cada setor. Do total de dezenove fêmeas adultas verificam-se no setor A (óbitos ocorridos até trinta do ingresso) 36,8%; no setor B (óbitos ocorridos entre 31º e 60º dias) 5,3%; no setor C (óbitos ocorridos entre 61º e 90º dias) 42,1%; no setor D (óbitos ocorridos entre 91º e 120º dias) 10,5% e no setor E (óbitos ocorridos a partir do 121º dias do ingresso) 5,3%.

  4. Desenvolvimento
    1. Diferenciação Sexual - Dos jovens de Latrodectus curacaviensis nascidos em laboratório, vinte apresentaram diferenciação sexual (presença de bulbo copulador) num período compreendido entre 44 e 90 dias.

      Com base em seus expreimentos, González (1979) afirma que:

      ... Os machos de Latrodectus sp chegam a adultos, em geral, na sétima muda, havendo variações e podendo faz~e-lo na oitava... (p.101).

      No primeiro momento após a diferenciação sexual, verificou-se que o bulbo copulador apresentou coloração amarelo-claro. Porém notou-se que alguns indivíduos após quarenta e seis apresentaram coloração negra nos bulbos.

  5. Comportamento Alimentar - Dos jovens de Latrodectus curacaviensis nascidos em laboratório, vinte apresentaram diferenciação sexual (presença de bulbo copulador) num período compreendido entre 44 e 90 dias.

    Com base em seus expreimentos, González (1979) afirma que:

    ... Os machos de Latrodectus sp chegam a adultos, em geral, na sétima muda, havendo variações e podendo faz~e-lo na oitava... (p.101).

    No primeiro momento após a diferenciação sexual, verificou-se que o bulbo copulador apresentou coloração amarelo-claro. Porém notou-se que alguns indivíduos após quarenta e seis apresentaram coloração negra nos bulbos.

Conclusão

Devido à escassez de bibliografia específica e o curto período do experimento, as inferências são preliminares.

A não eclosão de 60% das ootecas construídas no laboratório pode está relacionada com a ausência do macho nos terrários. Faz-se referência à fêmea do T.21 que esteve em presença do macho, e realizou ovipostura após o quadragésimo segundo dia do ingresso no laboratório, havendo eclosão da ooteca.

Constata-se que o numero de indivíduos nascidos por ooteca é maior das oriundas do campo.

O percentual de óbitos das fêmeas trazidas do campo eleva-se a partir do 61º dia de ingressas no laboratório.

Verificou-se preliminarmente que indivíduos jovens alimentam-se com saúvas, o que facilita a manutenção destes em laboratório.

Referências Bibliográficas

BUCHERL, W. Latrodectus e latrodectismo na América do Sul. I. Descrição do macho da população de Latrodectus Walckenaer, 1805, das praias do Rio de Janeiro e Guanabara. In: Memórias do Instituto Butantan , São Paulo, n.32, p. 95-100, 1965.

BUCHERL, W. Latrodectus e latrodectismo na América do Sul. II.Bio-ecologia de Latrodectus do grupo curaviensisnas praias dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara. In: Rev. Bras. de Pesquisas Médicas e Biológicas , v. 1, n. 2, p. 83-88, 1968.

BUCHERL, W. Biology and venoms of the most important South American spiders of the genera Phoneutria, Loxosceles, Lycosa and Latrodectus . In: Am. Zoologist. , n. 9, p. 157-159, 1969.

CARVALHO, R. U. Una nueva Latrodectus y consideraciones sobre las especies del genera en la Republica Argentina (Arach.: Theriidae). In: Neotropica , v. 5, n. 18, p. 85-94, 1/fev./1959.

DE BIASE, P. Variações em aranhas do complexo Latrodectus mactans – Latrodectus curaviensis (Araneae: Theridiidae). In: Rev. Bras. Biologia , v. 30, n. 2, p. 233-244, 1970.

DE BIASE, P. Estrutura interna e presença de segmentos do êmbolo no epígino de Latrodectus geometricus (Araneida: Theridiidae). In: Papeis avulsos do departamento de zoologia – Secretaria da Agricultura , São Paulo, v. 15, art. 26, 26/jul./1962.

FOELIX, R. F. Biology of spiders . England, 1982. 306 p.

GONZÁLEZ, A. Observaciones bioecologicas sobre una especie del genero Latrodectus (Walckenaer, 1805) Del grupo mactans , de sierra de la Ventana (província de Buenos Aires, Argentina) (Araneae, Theridiidae). I. Habitat y ciclo vital. In: Physis , v. 36, n. 92, p. 277-282, jun./1977.

GONZÁLEZ, A. Observaciones bioecologicas sobre una especie del genero Latrodectus (Walckenaer, 1805) Del grupo mactans , de sierra de la Ventana (província de Buenos Aires, Argentina) (Araneae, Theridiidae). II. Produccion de huevos. In: Neotropica , v. 22, n. 68, p. 129-131, 1/jun./1976.

GONZÁLEZ, A. Observaciones bioecologicas sobre una especie del genero Latrodectus (Walckenaer, 1805) Del grupo mactans , de sierra de la Ventana (província de Buenos Aires, Argentina) (Araneae, Theridiidae). III. Desarrolo post-embrionario. In: Acta Zoológica Lilloana , v. XXXV, p. 97-103, 1976.

LEVI, H. W. Number of espécies of black-window spiders (Theridiidae: Latrodectus ). May 1958, p. 1055.

LUCAS, S. Spiders in Brazil . In: Toxicon , v. 26, n. 9, p. 759-771, Great Britain , 1988.

MACHADO, O. Latrodectus mactans , sua ocorrencia no Brasil. In: Boletim do Inst. Vital Brazil, v. 5, p. 153-160, 1948.

SAMPAIO, R. R. L. Latrodectus mactans y latrodectismo: estúdio experimental y clinico. Tese de doctorado em Medicina. Buenos Aires, 1942.

SCHENONE, H., CORREA, L. E. Algunos conocimientos practicos sobre la biologia de la arama Latrodectus mactans y el síndrome Del latrodectismo em Chile. In: Bol. Chil. Parasitologia , v. 40, n. 1-2, p. 18-23, 1985.


Trabalho apresentado ao CNPq, em dezembro/1991, como relatório da evolução da minha pesquisa de Iniciação Científica “ O ESTUDO DA BIOLOGIA DE Latrodectus curaciensis EM CATIVEIRO” , desenvolvida no Laboratório de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual de Feira de Santana.